O ESPELHO DA VIDA INTERIOR
Neste domingo, ouvimos a conclusão do discurso que Jesus fez “num sítio plano”, depois de descer do monte. Nos últimos domingos, Jesus apresentou o seu projeto de vida, com as bem-aventuranças, o amor aos inimigos, e vencer o mal com a força do bem. Agora, temos de refletir sobre o que fazer para vivermos as bem-aventuranças, para aprendermos a sermos misericordiosos como o nosso Pai do céu. A Palavra de Deus responde-nos com diversas imagens, que se completam umas às outras. As leituras bíblicas convidam-nos a fazer uma reflexão sobre as palavras que proferimos e sobre o que somos, ou seja, sobre o uso das palavras que saem da nossa boca para ilustrar as nossas ações e exprimir as nossas ideias e sentimentos. A palavra pode servir para revelar o interior das pessoas, como também para o ocultar e expressar, até, o contrário do que pensamos, sentimos e somos, na realidade. Portanto, a linguagem pode ser como um espelho límpido, ou como um espelho sujo, ou embaciado, que pode ser utilizado para deformar o que vai, realmente, no coração das pessoas. De facto, não se pode afirmar que alguém seja totalmente transparente. A primeira leitura, do Livro de Ben-Sira, convida-nos a analisar a forma como as outras pessoas falam, tal como o oleiro põe à prova os vasos no forno e como o agricultor submete as sementes à prova com o crivo, terminando a dar um conselho muito habitual nas pessoas do campo: “O fruto da árvore manifesta a qualidade do campo”. “O homem é posto à prova pelos seus pensamentos…Não elogies ninguém antes de ele falar, porque é assim que se experimentam os homens”. No evangelho, Jesus é muito claro: as palavras põem à prova as pessoas, “pois a boca fala do que transborda do coração”. Esta afirmação complementa-se com outra: “Não há árvore boa que dê mau fruto, nem árvore má que dê bom fruto”. Portanto, as “árvores”, ou seja, nós, damos o fruto que corresponde à nossa plantação e cultivo, à nossa vida interior. Se cultivarmos bem, daremos bons frutos; se descuidarmos o campo, a semente não germina e a árvore não dá fruto. As palavras nunca podem encobrir as ações. Há, ainda, outro aspeto a considerar: quando uma pessoa não se aceita como é, tem a tendência de desvalorizar os outros: indulgentes connosco, duríssimos com os outros. Desta forma, convertemo-nos em cegos que querem guiar outros cegos, sem admitirmos a nossa própria cegueira. Temos de nos deixar guiar por um bom mestre. E isto supõe sermos suficientemente humildes para reconhecer que estamos pouco ou muito cegos, pedindo a iluminação interior do Espírito Santo. Supõe, também, a capacidade de reconhecer as “traves” que existem nos nossos olhos. Há que investir no nosso interior, para que possamos dar frutos saborosos. Há que insistir na necessidade que temos de cultivar o nosso interior, o centro dos nossos desejos, projetos, amores e ódios, para que se possa construir, pouco a pouco, um tesouro de bondade, que nos faça viver segundo o Evangelho, que nos permita ver cada pessoa e o mundo com os mesmos olhos de Jesus e convertermo-nos em seus autênticos discípulos. Na comunidade cristã, os membros trocam entre si ideias e projetos. Por isso, é preciso que esta comunicação seja sempre aberta e sincera, partilhada e participada para não fazermos das nossas comunidades autênticas “torres de Babel”, onde ninguém se entende. Portanto, as palavras, além de brotarem do fundo do coração, têm de ser palavras passadas pela reflexão e pela oração, palavras iluminadas pelo Espírito Santo que habita em nós. O bom tesouro do coração cultiva-se com a oração, a leitura e a reflexão assídua da Palavra de Deus e uma participação ativa na comunidade cristã, onde se vai discernindo os caminhos a percorrer para sermos, hoje, discípulos e testemunhas de Cristo Ressuscitado. É um trabalho que não fazemos sozinhos; por isso, todos precisamos de pessoas de confiança que nos ajudem a descobrir as traves que temos nos olhos e a que se cumpra em nós a Palavra de Deus. . |